A existência de distúrbios em indivíduos dentro do Transtorno do Espectro do Autismo não é algo raro. A prevalência varia de estudo para estudo, mas sabe-se que entre 40% e 80% de pessoas com autismo também experienciam ao menos um tipo de distúrbio do gênero.
Pensando nisso, separamos algumas questões que julgamos importantes e pedimos para dois grandes especialistas no assunto: o neuropediatra dr. Thiago Gusmão e a psiquiatra infantil Fernanda Mappa para esclarecer um pouco sobre o tema. O resultado você lê abaixo!
1- Por quê há uma prevalência tão grande de distúrbios do sono em pessoas com TEA? Há uma causa para isso?
Segundo o doutor Thiago Gusmão, os distúrbios de sono são comuns na infância e na adolescência, mas possui uma prevalência ainda maior em indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo. Em geral, são provocados por uma ansiedade diurna que leva a um descontrole comportamental. Como consequência, é possível experimentar dificuldades de iniciar o sono, insônia em si e/ou fragmentação do sono (quando a pessoa acorda várias vezes durante a noite) dificultando-a a chegar no sono profundo. Aliás, a noite mal dormida é, por si só, uma das causas da própria ansiedade diurna, formando um ciclo vicioso.
Entretanto, além da questão comportamental, também há um fator fisiológico. Estudos comprovam que as crianças com autismo tendem a ter uma deficiência no metabolismo da melatonina.
A melatonina é uma substância que o nosso corpo produz para induzir o sono. Em geral, ela começa a entrar na corrente sanguínea entre duas e três horas depois que o sol se põe. Esses estudos mostram que em muitos indivíduos com TEA existe um metabolismo mais baixo que o normal e, como consequência, menos melatonina é liberada no sangue.
Além disso, completa a doutora Fernanda Mappa, algumas situações clínicas têm sido estudadas como possíveis causas de problemas de sono em crianças com TEA. “A ferritina reduzida e aumento dos movimentos periódicos dos membros no sono (síndrome das pernas inquietas)”. Ainda segundo a doutora, convulsões e distúrbios gastrointestinais (como diarréia) também podem causar despertares frequentes, privação de sono e interrupção no ciclo do sono
2- Quais dos distúrbios do sono são mais comuns em crianças dentro do espectro? Quais são os tratamentos para esses distúrbios?
Segundo Gusmão, entre os distúrbios de sono que chamamos de benignos, os mais comuns entre crianças com autismo são terror noturno, sonambulismo, insônia, sonilóquio (quando a pessoa fala dormindo) e bruxismo. “Novamente, todos esses distúrbios são inerentes à infância, porém potencializados na criança dentro do espectro”.
Sobre o tratamento, ele afirma que em geral, o tratamento principal é não medicamentoso. Nesse sentido, o mais importante é criar uma rotina que facilite a indução do sono de forma natural, ajudando o nosso corpo a produzir a melatonina. Chamamos isso de “higienização do sono”, que é o processo de ficar com a iluminação mais baixa, deixar o ambiente mais silencioso, evitar atividades intensas durante a noite… Enfim, diminuir o ritmo da casa.
A princípio esse processo de higienização parece simples, mas é uma das etapas mais difíceis de se colocar em prática, porque mexe com a dinâmica e a rotina da casa e da família.
Depois que isso tudo foi feito, se os distúrbios persistirem e esteja ocorrendo um claro prejuízo social, escolar ou nas terapias, aí então passamos para o tratamento medicamentoso. Ainda assim, dando absoluta preferência à melatonina, que é considerado um tratamento mais fisiológico.
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3- Como esses distúrbios podem interferir no desenvolvimento infanto-juvenil?
De acordo com Mappa, as noites mal dormidas ou sonos de baixa qualidade durante o dia podem resultar em perdas neurocomportamentais, prejuízo no desempenho e problemas no rendimento escolar, decorrente de sonolência excessiva ao longo do dia. “Tudo isso favorece ou mesmo piora a desatenção, alteração de humor com aumento da irritabilidade, o que pode aumentar o prejuízo social e, em alguns casos, até uma ruptura familiar”, ela afirma.
Segundo a doutora, não é incomum pais relatarem conflitos por discordâncias exatamente na hora de colocar o bebê para dormir e com a persistência ao longo dos anos, esses conflitos continuarem, levando à essas rupturas familiares.
Gusmão lembra que o sono é fundamental para o neurodesenvolvimento de qualquer ser humano. Uma noite “bem dormida” está diretamente relacionada ao bom funcionamento das funções executivas do cérebro, como a parte da inteligência, da concentração, da velocidade de processamento de comandos, etc. Nas crianças com TEA isso é ainda mais importante, pois são pessoas que naturalmente já possuem um atraso nesses segmentos.
4- O que é absolutamente essencial que pais de uma criança com TEA devam saber a respeito dos distúrbios de sono?
Para Gusmão, o essencial para os pais é entender que toda criança precisa ter uma rotina bem definida para o sono. No caso daquelas com autismo, a rotina para as terapias, no sono, alimentação… tudo isso é essencial. E essa rotina não pode ser desfeita. Toda a família precisa trabalhar em prol disso, para criar o ambiente mais benéfico possível para a criança. É dever dos pais pensar na qualidade do sono de seus filhos para que eles possam se desenvolver normalmente.
Entretanto, afirma Mappa, de nada adianta a família querer colocar a criança para dormir horas antes do que está acostumada, por exemplo para poder dar conta de alguma atividade extra. Ou que a família querer que a criança durma em um horário em que a casa ainda está muito iluminada ou pouco silenciosa, com vários membros familiares conversando, isso costuma não gerar um ambiente favorável ao sono.
5- E o que os pais não devem fazer em hipótese alguma?
Eu baniria atividades com aparelhos eletrônicos nas horas antes de dormir. Videogames, smartphones, computadores e derivados irradiam uma luz azul que comprovadamente dificulta a produção natural da melatonina e, consequentemente, ajudam essas crianças a desenvolverem alguns desses distúrbios.
Além disso, as crianças precisam ter uma rotina própria para o sono. Geralmente os adultos ficam acordados até mais tarde. Os filhos, entretanto, não podem acompanhá-los. Meia noite, por exemplo, é um horário péssimo para um indivíduo cujo cérebro ainda está em formação ir dormir.
Dormir na cama dos pais também não é o ideal. A qualidade do sono é muito inferior comparado a quando se dorme sozinho na própria cama.
E por último, nunca, NUNCA, se automedicar. A automedicação pode ser muito perigosa, principalmente quando envolve remédios para dormir em crianças.
Sobre a automedicação, Mappa ressalta que não só a medicação jamais deve ser a primeira escolha ou uma escolha isolada, como a parceria com a família é fundamental. “Para termos uma ideia, tanto o FDA (Food and Drug Administration) quanto a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não possuem nenhuma medicação aprovada para insônia em crianças, mesmo assim, os índices de intervenção medicamentosa chegam a 50 a 75% das crianças com TEA e distúrbios de sono”, completa.
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